O que é ser uma pessoa bem sucedida na vida?

Desde os primeiros pensadores da tradição ocidental, a ideia de uma vida bem-sucedida esteve associada a um ideal de plenitude. Na Grécia Antiga, especialmente com Aristóteles, essa plenitude era expressa pela palavra eudaimonia, muitas vezes traduzida como “felicidade”, mas cujo significado mais preciso seria “florescimento” ou “realização”. Para Aristóteles, uma vida bem-sucedida era aquela em que se vivia de acordo com a razão, praticando as virtudes e encontrando um meio-termo entre os excessos. A excelência moral era inseparável da excelência racional: viver bem era viver de forma justa, equilibrada e consciente.

O estoicismo, que teve em Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio alguns de seus grandes representantes, radicalizou a ideia de que uma vida boa é aquela que depende de nós. Para os estoicos, o sucesso verdadeiro não está no que acontece, mas em como reagimos aos acontecimentos. Uma vida bem-sucedida é aquela que se mantém serena diante das perdas, dos azares da fortuna e da finitude inevitável.

O cristianismo viria transformar esse ideal ao submeter a realização pessoal a uma dimensão transcendente. A verdadeira vida bem-sucedida seria aquela vivida em obediência a Deus, com vistas à salvação eterna. O sofrimento terreno, longe de ser um obstáculo à felicidade, poderia ser um caminho para ela. Aqui, o sucesso deixa de ser medido por realizações no mundo e passa a ser avaliado à luz de uma promessa escatológica.

A modernidade, a partir do Renascimento e especialmente com a emergência do individualismo burguês nos séculos XVIII e XIX, recoloca o sucesso terreno no centro do debate. Autores como Locke, Rousseau e Kant pensam a vida boa em termos de autonomia, liberdade e responsabilidade. O ser humano é visto como capaz de construir o próprio destino, e nisso está seu valor e dignidade.

fetichismo do dinheiro

É nessa longa tradição que Luc Ferry intervém. Para ele, o drama de nosso tempo é que a noção de sucesso foi colonizada por critérios quantitativos, sobretudo financeiros. Ter uma vida bem-sucedida virou sinônimo de ganhar muito dinheiro, ser reconhecido publicamente e ostentar sinais visíveis de status, como viagens, imóveis, seguidores e fama. O ideal de eudaimonia, com sua densidade moral e existencial, foi reduzido a um número na conta bancária.

Não se trata de demonizar o dinheiro. Como reconhece o próprio Ferry, o dinheiro é importante. Ele permite liberdade de escolha, segurança, acesso à cultura, saúde e tempo. No entanto, há um ponto crucial: o dinheiro não é um fim em si, mas um meio. Quando se transforma em fetiche, como alertava Marx, ele deixa de servir ao humano e passa a governá-lo. As pessoas não vivem mais para realizar seus desejos legítimos, mas para exibir um padrão de sucesso que muitas vezes é vazio, extenuante e inatingível.

Essa inversão, do valor ao preço, do ser ao parecer, gera um efeito devastador: a comparação constante. Nas redes sociais, somos convidados a comparar nossos bastidores com os palcos alheios. E como a lógica do sucesso virou uma corrida sem linha de chegada, a frustração se torna crônica. Mesmo quem “chega lá” descobre que “lá” é apenas um novo ponto de partida, onde é preciso continuar lutando para manter-se visível, relevante e admirado.

Uma redefinição necessária

Essa redefinição do sucesso exige uma ética do sentido, não da performance. Como na tradição existencialista, especialmente em Sartre e Camus, trata-se de assumir que a vida não tem sentido prévio, mas pode ganhar sentido por meio do engajamento autêntico com aquilo que nos toca. Uma vida bem-sucedida é aquela em que a pessoa sabe por que levanta da cama, mesmo nos dias difíceis.

O amor, aqui, não é sentimentalismo. É compromisso com o outro, com a comunidade, com os valores que transcendem o interesse individual. É também o amor ao saber, à beleza, à natureza. Como dizia Montaigne, outro filósofo francês de espírito livre, a mais universal qualidade é a adequação, viver conforme à própria medida. Essa é a marca de uma vida bem-sucedida.

Voltemos à questão do dinheiro. Ele é, sem dúvida, parte importante da equação, mas está longe de ser o único ou o mais relevante fator. Uma vida miserável em recursos pode ser igualmente miserável em sentido. Mas uma vida rica em recursos e pobre em vínculos, propósitos ou integridade será sempre uma vida deficiente. O dinheiro, como o tempo, precisa ser investido em algo que o transcenda. Ele é instrumento, não direção.

O desafio, como observa Ferry, é escapar de dois extremos. O primeiro é o ascetismo ingênuo, que despreza o dinheiro como se ele fosse sempre corruptor. O segundo é o hedonismo consumista, que o idolatra como se fosse suficiente para nos realizar. O caminho do meio, aqui, é compreender que o dinheiro pode comprar conforto, mas não paz interior. Pode proporcionar liberdade, mas não necessariamente sabedoria. Pode financiar prazeres, mas não garantir sentido.

O sucesso como fidelidade a si mesmo

Ser bem-sucedido, em última instância, é viver em consonância com aquilo que se reconhece como valioso. É ter clareza sobre o que importa, e coragem para viver de acordo com isso. A vida boa não é a vida perfeita, mas a vida coerente. Aquela em que os erros foram aprendizados, os afetos foram cultivados e a passagem pelo mundo deixou alguma luz.

Como Luc Ferry gosta de lembrar, não somos imortais. Saber disso é o que torna cada escolha significativa. O tempo é finito, e a vida bem-sucedida é aquela que faz jus a esse tempo. Amar, pensar, criar e compartilhar, nisso está a verdadeira medida do sucesso.

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