O Brasil não está em crise. Está em decomposição. Não por falta de recursos, território ou talento, mas por algo mais íntimo e letal: a mentalidade criminosa que tomou conta do Estado e da vida pública. Não se trata de pequenos delitos ou desvios isolados. É uma forma de pensar. Um modo de existir que despreza a lei, a moral e o bem comum. O criminoso típico brasileiro, e especialmente o de colarinho branco, não age como transgressor. Age como se tudo lhe fosse devido. Como se o Estado fosse um espólio a ser saqueado.
Essa mentalidade não aparece por acaso. Ela cresce como mofo onde há escuridão moral. Onde os cargos públicos são tratados como conquistas pessoais e não como funções de responsabilidade. Criminosos de colarinho branco ocupam cadeiras de deputado, de senador, de prefeito. Fingem servir, mas servem-se. Saqueiam os cofres públicos com naturalidade, porque sabem que, em vez de cadeia, terão aposentadoria especial. Seu crime não é segredo. É rotina.
Enquanto o marginal comum rouba um celular, o de colarinho branco desvia milhões da saúde, da merenda, do saneamento. Enquanto um furta por desespero, o outro furta por vício e com luxo. A impunidade o blinda, o prestígio o protege, o cinismo o guia. E o povo assiste, dia após dia, ao teatro macabro da corrupção sem castigo. Isso forma gerações inteiras sem fé no mérito, na honestidade, no sacrifício. Forma uma cultura invertida, onde a virtude é ridicularizada e o roubo é admirado, desde que bem feito.
Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a política brasileira era um espaço respeitável. No Império, um político precisava ter estudo, reputação e espírito público. E, acima de tudo, havia um exemplo no trono. Dom Pedro II. Um imperador que viveu com modéstia, serviu com honra e nunca confundiu o cargo com vantagem. Sob seu governo, o Brasil teve estabilidade, respeito internacional e avanço cultural. O imperador era o espelho do país. E o país refletia sua dignidade.
A presença de um governante virtuoso não se limita à sua conduta pessoal. Ela infunde decência em toda a estrutura de governo. Inspira os subordinados, eleva o padrão moral das instituições. Quando o topo é limpo, o resto tende a se limpar. Quando o chefe é honesto, os corruptos recuam. Quando o líder respeita a lei, o povo aprende a fazer o mesmo.
O contrário também é verdadeiro. Um governante cínico, imoral, mentiroso, mesmo que sorria, mesmo que faça piadas, envenena tudo que toca. A mentira se torna método, a promiscuidade vira critério de escolha. O Estado, antes instrumento da justiça, torna-se palco do deboche. O servidor honesto é sufocado e humilhado. O canalha é promovido. E assim a criminalidade se torna norma. O crime deixa de ser exceção para virar sistema.
A mentalidade criminosa não nasce apenas da miséria. Ela nasce, principalmente, do exemplo de cima. O povo copia seus líderes. Aprende com eles. Se o governador é ladrão, o vereador será ladrão. Se o prefeito desvia verba, o fiscal extorquirá o comerciante. O peixe apodrece pela cabeça. E o Brasil apodrece porque suas cabeças apodreceram.
Não é apenas um problema jurídico. É um colapso moral. O criminoso de colarinho branco destrói a confiança pública. Quando ninguém acredita em mais nada, nem no Estado, nem nas leis, nem nas promessas, cada um se vira como pode. O bem comum desaparece. Cada cidadão vira um inimigo. Um possível trapaceiro. E a vida social se fragmenta num caos onde vence o mais ardiloso, não o mais justo.
É por isso que não há saída sem moral. Sem recuperar a noção de que o certo é certo, mesmo quando custa caro. O Brasil precisa de vergonha. Precisa de decência. Precisa de exemplos vivos de integridade como foi Dom Pedro II. Não de salvadores da pátria. Mas de homens e mulheres que saibam que o poder é serviço. E não espólio.
Denunciar o crime não basta. É preciso repudiar sua mentalidade. Desprezar o esperto. Desconfiar do político popular demais. Recusar a piada fácil que mascara a desonestidade. O brasileiro precisa aprender que sem moral, toda reforma será inútil. E que um país se salva não por leis novas, mas por almas limpas.
Enquanto isso não acontecer, continuaremos vendo os mesmos rostos, os mesmos escândalos, os mesmos discursos. E o mesmo câncer moral, corroendo tudo por dentro. Até que reste apenas o esqueleto de uma nação que poderia ter sido grandiosa, mas preferiu idolatrar seus canalhas. E zombar de seus santos!