O último intelectual público do Brasil?

Em um país onde o rótulo substituiu o conceito e a reputação se mede por alinhamentos institucionais, a figura de Olavo de Carvalho permanece como um estorvo para os historiadores da inteligência brasileira. Não porque falte material para compreendê-lo, mas porque sobra preconceito. Entre os que o veneram sem reservas e os que o demonizam sem leitura, o Olavo real é quase sempre ignorado. É preciso, portanto, um esforço de honestidade intelectual para compreendê-lo tal como foi: um pensador político com atuação pública única no Brasil contemporâneo.

O intelectual público e o intelectual político

A distinção é fundamental. O intelectual público é aquele que intervém nos debates culturais, morais ou sociais da sociedade, com linguagem acessível e formação ampla. Ele fala com o povo, não apenas com os pares. O intelectual político, por sua vez, está voltado para a compreensão e influência das estruturas de poder, das ideologias, dos processos revolucionários e institucionais.

Olavo foi ambos, mas seu impacto não se deve tanto ao conteúdo político, que não era inédito, mas ao modo de atuação: sem cargo, sem diploma, sem financiamento estatal, ensinando metafísica e lógica clássica para milhares de pessoas através da internet. Ele operava fora do circuito universitário, mas com exigência de professor de elite. Publicava em jornais, falava ao público, formava opiniões. Sua linguagem era afiada, muitas vezes brutal, mas sempre dirigida à consciência do indivíduo.

Na história intelectual brasileira há outros casos de intelectuais públicos combativos: Carlos Lacerda, por exemplo, com seu jornalismo incendiário e atuação como tribuno moral. Ou Paulo Francis, com sua verve literária, sarcasmo e capacidade de provocar tanto a direita quanto a esquerda. Ou ainda Nelson Rodrigues, cronista que denunciava o falso moralismo e via o povo como protagonista trágico.

Mas nenhum deles combinou o rigor filosófico, a atuação cultural direta e o impacto político real como Olavo de Carvalho. Lacerda era mais jurista e homem de Estado. Francis, um cético corrosivo sem projeto pedagógico. Nelson, um esteta da alma brasileira. Já Olavo pretendia restaurar uma tradição de pensamento destruída, não apenas denunciar sua ausência. Seu projeto era civilizacional.

O autodidata que fundou uma escola

Olavo não se limitava a escrever colunas ou fazer análises políticas. Ele oferecia formação, criava métodos, indicava leituras, desenterrava autores esquecidos. Seu curso de filosofia não é um cursinho de opiniões, mas uma escola de formação da inteligência. Forma centenas de alunos que hoje atuam nas mais diversas frentes culturais, educacionais e políticas.

Esse aspecto é crucial. Olavo recria o papel clássico do mestre filosófico, que orienta, corrige e forma. Não se limita a criticar o presente: ensina a pensar. Seu trabalho exige leitura, disciplina, estudo de lógica, compreensão dos clássicos. É, portanto, uma forma de resistência ativa à degradação cultural moderna.

A prova viva disso são os seus alunos que hoje estão ativos e ajudando a restaurar o ambiente intelectual brasileiro. Entre eles, podemos citar os fundadores da Brasil Paralelo, que conseguiram popularizar temas de história, cultura e civilização com produções de alto nível. O Instituto Borborema, na Paraíba, tornou-se um dos mais relevantes polos de formação cultural do país. O crítico literário Rodrigo Gurgel, o jornalista e escritor Ronald Robson, o analista político e escritor Flávio Morgenstern, o cientista político e editor Sílvio Grimaldi,o jornalista Paulo Briguet, o comentarista Adrilles Jorge, o professor Rafael Falcon, o editor Gabriel Coelho, entre muitos outros, são parte visível de um legado que ainda está em movimento. Todos eles, com estilos distintos, aplicam princípios aprendidos com Olavo e contribuem para a revitalização do pensamento crítico no país.

A denúncia da cumplicidade intelectual

Um dos aspectos mais contundentes da crítica de Olavo de Carvalho estava na sua denúncia da cumplicidade entre a elite intelectual de esquerda e o banditismo político e moral. No ensaio “Bandidos & Letrados”, incluído no livro O Imbecil Coletivo, Olavo demonstra como a intelligentsia brasileira havia se transformado em aparato de justificação para criminosos de toda espécie, desde revolucionários assassinos até traficantes, desde tiranos latino-americanos até corruptos nacionais. Os intelectuais, segundo ele, deixaram de ser guias morais e passaram a ser cúmplices da barbárie, escudando seus protegidos sob a retórica do progressismo e do vitimismo.

Esse alerta se torna ainda mais atual quando se observa o silêncio cúmplice que, durante décadas, imperou nas universidades e redações diante das violações de direitos humanos cometidas por regimes de esquerda. A função crítica do intelectual foi substituída por uma militância cega, movida mais pelo ódio ao adversário ideológico do que pelo amor à verdade. Foi esse o ambiente que Olavo enfrentou, um pântano de covardia revestido de títulos acadêmicos.

No mesmo livro, o ensaio “Todo poder aos PhDs” reforça esse diagnóstico. Ali, Olavo ironiza a submissão quase religiosa à autoridade universitária, denunciando a transformação dos títulos acadêmicos em simulacros de sabedoria. A universidade, que deveria ser o templo da busca pela verdade, havia se tornado, segundo ele, um centro de produção de autoconvencimento e burocratização da inteligência. A figura do PhD era ali retratada não como um verdadeiro sábio, mas como um tecnocrata pretensioso, incapaz de enxergar além dos limites do próprio departamento.

Essas críticas não eram movidas por ressentimento, como sugerem seus detratores, mas por uma profunda dor moral diante da decadência de instituições que deveriam ser faróis de lucidez. Olavo via na cultura universitária brasileira um sistema de autoengano coletivo, onde a vaidade intelectual substituiu o compromisso com o real.

A atuação política e a mitificação

Ao influenciar diretamente a nova direita brasileira, Olavo se torna também uma figura política. A partir de 2013, sua presença nas redes cresce exponencialmente. Seus textos circulam entre militares, jovens, jornalistas, padres, donas de casa. Ganha fôlego como referência para uma geração que se sente culturalmente exilada em seu próprio país.

No entanto, o mito não ajuda o entendimento. Seus seguidores mais fanáticos o endeusam. Seus inimigos o reduzem a caricaturas. Em ambos os casos, perde-se o Olavo real: o professor, o leitor obsessivo, o crítico do autoengano, o homem que se recusa a aceitar a decadência como destino.

Seu curso de filosofia como escola de formação de intelectuais

Mais do que um curso de filosofia, o curso criado por Olavo de Carvalho é uma verdadeira escola de formação de intelectuais. Enquanto as universidades formam especialistas e técnicos voltados à linguagem acadêmica e à validação institucional, seu curso de filosofia forma indivíduos capazes de atuar na esfera pública com independência de pensamento, domínio da linguagem e responsabilidade moral.

Ali, os alunos não aprendem apenas história da filosofia, lógica formal ou teoria do conhecimento. Eles aprendem a articular ideias com clareza, a defender princípios sob pressão, a desmontar falácias correntes e a identificar os vícios da linguagem que minam o debate público. Aprendem, sobretudo, a não mentir, nem para os outros, nem para si mesmos.

Ao despertar nos alunos o senso de missão cultural, Olavo os prepara para assumir o papel que a universidade abdicou, o de guiar, interpretar e advertir sua sociedade. Seu curso de filosofia é, assim, uma escola de coragem intelectual. Seus frutos não são apenas leitores ou seguidores, mas comunicadores, escritores, professores e líderes culturais que hoje atuam, cada qual a seu modo, na reconstrução do espaço público brasileiro.

A singularidade

Não há, no Brasil, outro caso semelhante. Um homem que, a partir da marginalidade acadêmica, forma milhares de leitores exigentes, influencia decisões de governo, e ao mesmo tempo escreve sobre síntese metafísica, astrologia, simbolismo tradicional, lógica aristotélica e revolução cultural.

Seu método é polêmico, mas seu objetivo é claro, restaurar a consciência da realidade, num tempo em que a linguagem é reduzida a ferramenta de controle e a verdade, a conveniência.

Olavo de Carvalho é, talvez, o último intelectual público brasileiro com essa vocação total. Não é santo, nem infalível. Mas é uma pedra no sapato do niilismo cultural. E, mais que tudo, uma demonstração viva de que a inteligência, mesmo solitária, ainda pode ter voz. E poder.