Vivemos uma era em que a informação circula com velocidade supersônica, mas a compreensão do que realmente importa rasteja como um réptil debilitado. O Brasil, que já foi celeiro de intelectuais respeitados e universidades de prestígio, tornou-se agora o palco de um espetáculo melancólico: milhões de pessoas que leem sem entender, opinam sem refletir e repetem sem saber. O nome disso, embora a elite pedagógica tente suavizar com eufemismos, é analfabetismo funcional.
Uma definição que mascara o desastre
O termo parece técnico, quase clínico, mas sua realidade é brutal. Ele designa pessoas que, embora alfabetizadas formalmente, são incapazes de interpretar um texto, distinguir uma tese de uma opinião ou construir uma linha de raciocínio minimamente coesa. É como possuir uma arma e não saber carregá-la. A linguagem, que deveria ser instrumento de libertação, torna-se ornamento ineficaz ou, pior, ferramenta de manipulação.
O diagnóstico incômodo que se confirmou
Olavo de Carvalho, que durante décadas chamou atenção para esse problema, foi um dos críticos mais persistentes da educação universitária brasileira. Ele denunciou o fosso crescente entre o aumento do acesso ao ensino e a drástica queda na sua qualidade. Para ele, o Brasil produzia analfabetos com diploma, incapazes de sustentar uma linha de pensamento, embora aptos a repetir chavões ideológicos com segurança teatral.
Quando a mídia admite o colapso
O jornal O Globo publicou recentemente o editorial “Analfabetismo funcional envergonha o Brasil”. Quando a mídia tradicional reconhece o problema, é sinal de que o colapso já deixou de ser silencioso. Mais da metade dos brasileiros entre 16 e 64 anos não consegue compreender textos simples. Isso não é apenas uma falha do sistema educacional. É a revelação de um colapso civilizacional.
As universidades e a derrocada institucional
A série documental Unutopia, da Brasil Paralelo, mostra em detalhes a decadência das universidades brasileiras. O problema não está apenas nos alunos despreparados, mas nos próprios professores, que muitas vezes reproduzem a mesma indigência intelectual que deveriam combater. A universidade deixou de ser centro de formação para se tornar palanque ideológico. O método foi abandonado em favor da militância. A reflexão deu lugar à repetição de slogans. O que era para formar uma elite pensante passou a institucionalizar a ignorância.
O perigo da ilusão de saber
O mais preocupante no analfabetismo funcional não é a ausência de conhecimento, mas a ilusão do saber. Muitos acreditam estar informados apenas porque consomem manchetes, memorizam frases prontas ou seguem influenciadores com aparência de autoridade. No entanto, não sabem interpretar uma metáfora, desmontar um argumento falacioso ou identificar as premissas ocultas de um discurso. Tornam-se presas fáceis da propaganda, da demagogia e do ruído.
O papel da atenção no aprendizado
Sem atenção, não há aprendizado real. A leitura se torna decodificação mecânica. A escuta vira distração. A fala, mera repetição. Numa sociedade dispersa, a mentira reina. O analfabetismo funcional, nesse cenário, é mais do que deficiência. Ele se torna instrumento de poder. Quem não compreende o que lê, não questiona o que vive. E quem não questiona, obedece.
O engano das elites instruídas
O problema não se restringe às massas. Muitos universitários não sabem distinguir opinião de argumento, fato de opinião, retórica de lógica. Jornalistas escrevem sem ler. Educadores desprezam gramática, lógica e história das ideias. Formadores de opinião jamais estudaram um clássico. A miséria intelectual atinge até os supostamente instruídos, que se formam em instituições que já não ensinam.
A cultura digital e o rebaixamento do pensamento
Nas redes sociais, o cenário é ainda mais dramático. O vocabulário se encurta. A gramática desaparece. O raciocínio se fragmenta. Um post vira fonte de autoridade. Um bordão vira argumento. A vaidade substitui o conteúdo. A superficialidade vira norma. Nesse terreno, o analfabetismo funcional encontra ambiente fértil e se multiplica com rapidez.
A missão dos intelectuais
Aqueles que querem compreender o Brasil de verdade têm uma missão clara e inadiável. Devem primeiro desenvolver em si a capacidade de leitura profunda, interpretação precisa e argumentação rigorosa. Depois, devem compartilhar esse caminho com os outros. Combater a ignorância não é zombar de quem ignora. É tratá-la como um problema comum, que ameaça a todos.
Restauração da linguagem
A superação do analfabetismo funcional exige mais que programas educacionais. Exige uma mudança de postura. É preciso reaprender a pensar. Pensar exige esforço, exige humildade, exige coragem. Exige silêncio para ouvir, disciplina para estudar e seriedade para avaliar. A linguagem é o caminho da consciência. E quem não domina a linguagem não domina a própria vida.
A liberdade começa com a leitura
Uma nação não pode prosperar com uma população que não compreende o que lê. O desenvolvimento econômico, político e cultural está diretamente ligado à profundidade do pensamento. Países que investem na formação da mente colhem liberdade, inovação e grandeza. Países que ignoram essa verdade mergulham na servidão da ignorância travestida de inclusão.
A batalha que precisa ser enfrentada
A alfabetização plena é um imperativo da civilização. Compreender textos é compreender o mundo. Quem não compreende será conduzido. A palavra é espada, e sua lâmina se chama compreensão. Sem ela, todo discurso se torna ruído, toda decisão se torna impulso, toda política se torna manipulação.
O analfabetismo funcional não é um destino, mas um desafio. E o verdadeiro estudante é aquele que se dispõe a vencê-lo. É aquele que aprende a ler com atenção, a pensar com precisão e a falar com verdade. É quem mergulha nos clássicos, busca a tradição e conquista a liberdade interior.
É com essa consciência que o país poderá reencontrar sua alma.